terça-feira, 12 de fevereiro de 2008

Duas obras-primas de Mikio Naruse

Lembro que vi Mamãe (Okasan, 1952) no começo da cinefilia, numa das mostras mensais de cinema japônês do CCSP. Na época, não achei grande coisa. Naruse, aliás, nunca me encantou (Mizoguchi sempre foi e será meu diretor japonês favorito). Quão tolo eu era. Vi mais dois ou três filmes dele, anteriores a Mamãe, na mesma época, que se perderam em anotações pré-históricas, mas lembro que achava tudo OK, sem muito entusiasmo. Revendo Mamãe, e descobrindo Turbilhão da Vida (Toma no Oto, 1954), pude perceber a delicadeza do diretor ao mostrar problemas fortes, sem chamar a atenção para essa potência. Talvez a maior maestria de Naruse resida em sua capacidade de resumir as ações ao essencial. Firulas não eram permitidas em seu cinema. Bom exemplo em Mamãe: a menininha está triste com a situação financeira da mãe, e com a necessidade de vender o kimono da filha para pagar dívidas. Fecha na menininha, ela demonstra sua tristeza em silêncio, já com o fade out acontecendo, discretamente. Não há, portanto, a chantagem pela música, nem por um alongamento do plano. Ele mostra o suficiente para que saibamos que toda a família é afetada pela crise da mãe que se tornou viúva há pouco tempo. Em Turbilhão da Vida, outra operação fica mais evidente: Naruse usa a trilha sonora como se seus filmes fossem mudos. A música está ali apenas como cama para tornar o relato mais palatável, aumentando de intensidade em alguns momentos específicos, mas nunca o bastante para passar do tom. Nunca o suficiente para que fiquemos com aquele ranço desagradável de que nos entalaram uma emoção fácil para nos ludibriar. Utilizando, ainda em 1954, um efeito que ele havia aprendido fazendo filmes sem bandas sonoras (no Japão era comum ter atores do lado da tela para dizer as falas dramáticamente, com música ao fundo), Naruse fala de coisas muito complexas da forma mais simples possível, e dessa forma nos atinge com toda a força.