segunda-feira, 20 de agosto de 2007














O cinema de Eugène Green. Toutes le Nuits (2001), o primeiro filme, parece um tratado sobre a maneira como a lente capta o olhar humano. Os inúmeros diálogos acontecem com os interlocutores olhando diretamente para a câmera, enquanto esta alterna seu lugar dentro de um eixo anteriormente estabelecido entre os atores. O olhar é filmado de perto, de longe, à meia distância. Depois ele brinca com o contracampo clássico, tendo uma pequena parte de quem ouve como guia. Mas é tudo tão esquisito, as falas antinaturalistas, Brecht, Straub e Artaud num mesmo caldeirão. Dá pra ver que é uma elegia ao poder do teatro e da pintura, artes em que Green começou a atuar.
A crítica francesa parece preferir esse primeiro filme em sua pequena carreira (de apenas quatro filmes como diretor, um deles é curta), mas eu fico com o segundo, Le Monde Vivant (o das fotos acima), de 2003, com o mesmo estilo e o mesmo grupo de atores, mas num tom de fábula medieval, uma história de ogro, princesas presas em castelos, cachorro chamado leão, crianças sendo presas para servirem de comida, asnos velozes e árvores que falam. Parece o mundo ideal para as obsessões de Green com o olhar e com o ator se movendo na paisagem. Vários planos de Le Monde Vivant são de antologia. Destaco as duas lutas com o ogro, filmada só com planos de detalhe (aliás, o ogro nunca é visto, só vemos partes dele), a reaparição do cavaleiro do leão (o plano das mãos no escuro é dos mais belos que eu já vi), e a cama vazia do quarto mais vazio ainda enquanto os pais falam sobre o sumiço do filho fora de quadro, logo no início do filme.
Ver esses dois filmes de Eugène Green ainda faz com que pratiquemos o francês, pois tudo é dito tão claramente, sem comer sílabas ou emendar palavras grotescamente (o que é muito comum), que eu nem precisei de legendas, e meu francês tá pra lá de enferrujado, com uma ferrugem de quase dez anos. Um amigo meu gostava dos filmes de André Téchiné porque ele obrigava os atores a falar um francês perfeito, e como ele era apaixonado pela língua francesa (tendo me dado várias e preciosas dicas tempos atrás), se sentia em êxtase ao ouvir os atores em Rosas Selvagens ou Rendez-vous. Confesso que o francês desses filmes de Téchiné não me pareceu nada fácil de se entender, e que comparado ao dos filmes do Green, são dialetos quase incompreensíveis.