quarta-feira, 30 de julho de 2008

Ok, quem perdeu Outrage desta vez, que veja quando reprisar em agosto. O filme da bela Ida Lupino consegue ser melhor que Hitch-hiker e The Bigamist, que ela fez em seguida, e que já são um assombro. Curioso que até a cena do estupro - um primor, com a câmera se afastando para revelar um vizinho incomodado com a buzina que disparou - havia travellings e panorâmicas enfurecidas, com enquadramentos oblíquos e cheios de informação. Após essa cena, há apenas a contenção, necessária para que a personagem de Mala Powers se recupere do trauma. O encontro com o missionário, que após ajudá-la quer afastá-la o mais rápido possível, para que ela reencontre a família e o noivo, mas também para que não o desvie de sua missão (e como ele olha para os céus agradecendo no final, quando ela entra no ônibus...). É de chorar, realmente.

Para retomar o blog com classe uma indicação de um filme raro, Outrage (O Mundo é o Culpado), dirigido por Ida Lupino. Vale a pena colocar no Telecine Cult às 16h40 para ver. Como o filme é de 1950, não tem perigo do canal adulterar a imagem com seu hábito de passar quase tudo em tela cheia. No dia seguinte, o mesmo canal passa Robber's Roost (Covil de Feras, 1955), de Sidney Salkow. O Telecine de vez em quando respira bom e inusitado cinema.

quinta-feira, 24 de julho de 2008

Quando vi O Porteiro da Noite pela primeira vez, em VHS, achei muito barulho por nada. Tudo ali me pareceu fazer sentido unicamente pelo choque, e como eu tinha visto Berlin Affair, da mesma Liliana Cavani, na mesma época, praticamente me desinteressei pela diretora, a não ser pouco tempo depois quando a TV exibiu Atrás Daquela Porta, igualmente inflado e besta. Agora revi O Porteiro da Noite, que é seu filme mais elogiado, no Belas Artes, e o filme, curiosamente, me pareceu uma nulidade como há muito tempo eu não via. São 110 min de um nada cinematográfico, com flashbacks "artísticos", interpretações hipnotizadas (claro, é um filme de arte), personagens incoerentes (e não estou falando da incoerência que existe em todos nós, mas numa incoerência anterior, que invalida qualquer pensamento, qualquer construção ou representação), o que é grave porque temos dois grandes atores em cen: Dirk Bogarde e Charlotte Rampling. Liliana Cavani teve a manha de fazer um dos filmes mais insossos e estúpidos sobre um tema forte e pertinente. Um atentado a qualquer noção de dramaturgia

terça-feira, 22 de julho de 2008

Fassbinder, em meados da década de 70, disse que já não admirava mais Claude Chabrol, pois o diretor francês tinha parado de amar seus principais personagens. Lembrei disso enquanto via o belíssimo Uma Garota Dividida em Dois, pois acompanhamos, com certa cumplicidade zombeteira, três personagens estereotipados - a jovem deslumbrada que quer deixar de ser santinha, o escritor rico e libertino que sabe viver a vida, e o herdeiro mimado de um químico famoso (um rato de laboratório, literalmente). A certa altura, o advogado (Thomas Chabrol, filho do diretor com a atriz Stéphane Audran), após um diálogo tenso com a mãe do herdeiro mimado (Caroline Sihol), sai da casa dela com uma reação que resume indignação, desprezo, saco cheio: uma careta acompanhada de um calafrio de deboche. É um belo resumo do filme (e por isso é a foto do post), que mais do que nos últimos de Chabrol, carrega uma verve observacional cruel e brilhante que poucos diretores parecem capazes de ter. Outro belo resumo: a lágrima que cai do rosto de Ludivine Sagnier enquanto ela está sendo cortada em dois pelo tio. Se é preciso uma tragédia para revelar o que esses curiosos fantoches têm de humano, que venha a tragédia. De resto, é preciso dizer que temos um verdadeiro show de François Berléand e de Benoît Magimel, e a melhor atuação de Sagnier.

segunda-feira, 21 de julho de 2008

Dia desses vi Número 23, porque estava curioso com o que Joel Schumacher teria feito com um tema que pode até dar em coisa interessante, mas o mais provável é que dê em lixo. E é lixo mesmo. Não sei por quê acompanho a carreira desse diretor, mas o fato é que acompanho, com algumas lacunas.

O Primeiro Ano do Resto de Nossas Vidas (St. Elmo's Fire, 1985) *
Os Garotos Perdidos (The Lost Boys, 1987) *
Um Toque de Infidelidade (Cousins, 1989) * * *
Linha Mortal (Flatliners, 1990) *
Tudo por Amor (Dying Young, 1991) mico
Um Dia de Fúria (Falling Down, 1993) *
O Cliente (The Client, 1994) mico
Batman Eternamente (Batman Forever, 1995) mico
Tempo de Matar (Time to Kill, 1996) * * *
Batman & Robin (1997) mico
8 mm (1999) *
Por Um Fio (Phone Booth, 2002) *
Número 23 (Number 23, 2007) mico

domingo, 20 de julho de 2008

Devo ter assistido a uns três ou quatro episódios de Arquivo X. Sou o contrário de um especialista no assunto. Mas sempre estranhei que não houvesse uma atração sexual enrustida entre Fox Mulder e Dana Scully. Pelo menos no seriado. No longa de 1998 dirigido por Rob Bowman, que eu não tinha visto ainda, eles até chegam a se beijar - mas são interrompidos por uma abelha. É uma trama interessante a de Arquivo X - O Filme (The X-Files - Fight the Future), mas chega a hora em que tudo tem que virar uma correria, com a velha dilatação de tempo, etc... O legal era o trabalho de dedução da dupla. Curiosa a seqüência da perseguição no milharal. Lembrei logo de Intriga Internacional, claro. Aí vejo a Trivia do imdb e tenho a confirmação de que o longa de 1958 (e sua famosa seqüência de perseguição a Cary Grant) foi mesmo uma inspiração, e de que Martin Landau está nos dois filmes. Ora, quanto tempo não vejo a obra-prima de Hitchcock.

Arquivo X - Eu Quero Acreditar estréia no próximo dia 25, e é dirigido pelo criador de tudo, Chris Carter. Desta vez devo ver no cinema.

quinta-feira, 17 de julho de 2008

Trechos de uma entrevista sensacional com Alain Resnais (foto) e Alain Robbe-Grillet, feitas por André Labarthe e Jacques Rivette, e publicadas na Cahiers du Cinema 123, de outubro de 1961. Tradução de Monique Rutler, para um catálogo de 1992 da Cinemateca Portuguesa:

RESNAIS: Quando vejo um filme, o jogo dos sentimentos interessa-me mais do que os personagens. Penso que se pode chegar a um cinema sem personagens psicologicamente definidas, em que o jogo dos sentimentos circularia do mesmo modo que num quadro contemporâneo o jogo das formas consegue ser mais forte do que a anedota.

ROBBE-GRILLET: ... as pessoas admitem perfeitamente encontrar na vida real um monte de elementos reais irracionais ou ambíguos e essas mesmas pessoas se queixam de as encontrar também nas obras de arte, nos romances ou nos filmes, que deveriam obviamente apresentar algo mais tranquilizador do que o mundo real. Como se a obra de arte fosse feita para explicar o mundo, para tranquilizar o homem em relação ao mundo.

quarta-feira, 16 de julho de 2008

The Lawless, de Joseph Losey (1950): o jornalista dá a notícia para os pais do fugitivo capturado. Sim, eles poderiam ver o filho. Os pais se dirigem, então, à outra sala, onde o filho está, e o encontro ocorre, com o casal principal (os jornalistas) observando a cena. Um único plano dá conta de toda a emoção que há para se captar; a dos que ajudam a sanar injustiças, e a dos injustiçados. O procedimento retorna em outro momento tocante, quando o jornalista deixa o fugitivo na porta de sua casa, e este é recebido pela mãe com um abraço. Isso acontece depois de Losey ter realizado alguns travellings discretos e muitas panorâmicas para perseguir os atores (no que ele se assemelha ao Buñuel de L'Âge D'Or).

segunda-feira, 14 de julho de 2008

Recebi o seguinte recado de Camila Vieira (destaque para o nome do local onde será realizado o debate com Ruy Gardnier, Francis Vogner dos Reis e Marcelo Ikeda):

No dia 19 (sábado), às 19h30, acontece a pré-estréia do longa-metragem cearense Praia do Futuro, no Centro Cultural Sesc Luiz Severiano Ribeiro, em Fortaleza (Ceará). O filme é um longa-metragem coletivo em 15 episódios, realizado por 17 cineastas e idealizado pela produtora cearense Alumbramento (a mesma que produziu Sábado à Noite, de Ivo Lopes Araújo). Após a sessão, haverá show com as bandas Cidadão Instigado e Mirella Hipster, na Praça do Ferreira.

No dia 21 (segunda), haverá debate sobre o filme, às 19h, no Alpendre. A entrada é franca nos dois dias.

sábado, 12 de julho de 2008

Ontem foi o meu primeiro dia no 1º Festival de Paulínia de Cinema, e a primeira sessão foi Iluminados, longa de Cristina Leal que sugere um exercício para seis diretores de fotografia tarimbados - Edgar Moura, Pedro Farkas, Fernando Duarte, Dib Lufti, Walter Carvalho e Mário Carneiro, e é interessante ver como cada um se saiu na prova. Existe algo de programático no longa, e que impede qualquer surpresa, a não ser a que os fotógrafos mesmo impõe ao exercício. É muito mais interessante de se ver do que importante para a reflexão sobre a linguagem cinematográfica, e se isso não é um defeito a priori, anula um pouco as possibilidades de se ver esses craques em ação.

Depois veio a estréia de Selton Mello em longas-metragens, com Feliz Natal, que conta com Paulo Guarnieri - pai de Francisco, redator da Paisà - que estava afastado do cinema há 8 anos. É decepcionante na linha quase acadêmica que tem se popularizado depois que os Dardenne ganharam Cannes com Rosetta: câmera colada nos atores, desfocadas estratégicas - e às vezes bem bonitas - e uma necessidade patológica de se criar poesia e explicar as motivações dos personagens. Por exemplo, entendemos o espanto de todos ao saberem que o personagem de Leonardo Medeiros abriu um ferro velho quando um flashback desastroso nos explica o que já tinha sido bem sugerido perto do final do filme. Medeiros, por sinal, devia ser proibido de usar camisa de flanela no cinema, pois essa imagem de marginal simpático já está desgastada demais. O filme é tão mais decepcionante por ter influência confessa de Cassavetes, e por Selton Mello ter bom gosto cinematográfico (citou Bressane, Sganzerla, Candeias e Tonacci). O problema é que bom gosto não basta para fazer um bom filme. Curiosamente, a platéia aplaudiu calorosamente e em cena aberta dois dos momentos mais problemáticos de Feliz Natal: a piada óbvia com os fumantes e o clipe catártico com a música crescendo. É o típico caso de filme em que os bons planos - que acontecem especialmente na primeira metade, estão sufocados por idéias mal buriladas (excesso de idéias quase sempre é prejudicial nesses casos).

terça-feira, 8 de julho de 2008

Está confirmado: Christopher Nolan, que continua incompetente em muitos sentidos, mas tem cada vez mais consciência de suas limitações, deveria se restringir à franquia Batman, e abandonar todo e qualquer projeto que não tenha o morcegão envolvido. E Heath Ledger morreu justamente quando tinha atingido o máximo de sua arte.

segunda-feira, 7 de julho de 2008

http://www.festlatinosp.com.br/port/2008/index.html

É a programação do Festival de Cinema Latino-Americano de São Paulo, que começa nesta terça-feira, com retrospectivas imperdíveis de Tomás Gutiérrez Alea e Fernando Solanas. Do primeiro, recomendo as obras-primas A Morte de um Burocrata e Memórias do Subdesenvolvimento. E não perderei Os Sobreviventes, que não conheço. Do segundo, tenho especial apreço por A Nuvem (foto acima), obra que tinha tudo para cair no ramerrão poético do cinema artístico, mas consegue ser enfaticamente político sem soar panfletário, estranho até o fundo da alma. El Sur também é especial. Gosto também dos documentários A Hora dos Fornos (do qual só vi metade, infelizmente) e Memórias do Saqueio, sobre a época do panelaço.

Existe também a Mostra Desdobramentos do Cinema Novo, com obras (uma de cada) de diretores como Arturo Ripstein, Miguel Littin e Hector Olivera, além dos brasileiros Walter Lima Jr., Andrea Tonacci, Ozualdo Candeias e Rogério Sganzerla.

Claro que sempre existem coisas boas entre os contemporâneos, e cabe a cada cinéfilo encontrar os seus preferidos.

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Esquizofrenicando novamente o blog (neologismo = magrismo):

Fico impressionado com a chatice que anda o futebol brasileiro. De divertido, só ver a empáfia do Renato Gaúcho caindo dia após dia (e hoje ele reclamou que o Flu foi roubado - é muita cara-de-pau). E as declarações do Muricy, claro. O reporter que fizer uma pergunta para ele deve estar realmente preparado. Os jogos andam muito chatos, cheios de melindres. Os juizes comentaristas da Globo só atrapalham. O cara relou no outro, é falta. Um jogo de corpo, é falta. Braço com braço, é falta no que cair primeiro. Pombas, os caras não viram nenhum jogo da Eurocopa? Lá os juizes não apitam qualquer faltinha. Eles consideram que é um esporte viril, que envolve contato físico. O jogo fica mais corrido, emocionante, sem quedas a toda hora para levar o juiz a apitar falta, essa velha e insuportável malandragem brasileira.

domingo, 6 de julho de 2008

O mais justo seria uma foto com Rosário Dawson, que é disparado o melhor motivo para se ver O Balconista 2. Ela nunca esteve tão bonita - nem em Death Proof e Alexandre - quanto nesta continuação para o sucesso indie de Kevin Smith. Ela se apaixona por um gordinho de cavanhaque (sim, o balconista principal dos dois filmes, vivido por Brian O'Halloran, que faz uma ponta em Fim dos Tempos, vejam só), que não consegue disfarçar sua barriga. E no filme tem de tudo: um grandalhão apaixonado por um jumento, fãs exaltados de O Senhor dos Anéis, um melhor amigo que só sacaneia e que está empenhado a devolver à expressão "porch monkey" sua inocência original (é uma expressão considerada racista nos EUA), a aparição curiosa de Jason Lee com o visual de My Name is Earl, Jay e Silent Bob com piadas que raramente têm graça, e um tocante elogio à amizade. É mais um filme irregular do diretor. Mas como Menina dos Olhos (Jersey Girl), por algum motivo é legal de se ver.

sábado, 5 de julho de 2008

Interessante que tenha estreado em São Paulo O Balão Vermelho e O Cavalo Selvagem, dois médias bem bacanas de Albert Lamorisse. É uma oportunidade que os cinéfilos paulistas têm de conhecer esse cineasta combatido por Truffaut e amado por Bazin.

São filmes de fábula, elementos mágicos e pouco diálogos. Truffaut falava que o balão segue o menino à distância. Mas seus problemas com o filme, expostos num texto muito bem escrito, me parecem bobos. O Cavalo Selvagem é melhor que O Balão Vermelho, e o que importa se o tal cavalo tem atitudes próximas das humanas?
O final dos dois lembra bastante o de Os Incompreendidos, porque Truffaut queria mesmo dar uma resposta a esses finais que tanto tinham incomodado. Finais belíssimos, dos três filmes.

quinta-feira, 3 de julho de 2008

Cinturão Vermelho, de David Mamet, é um dos filmes mais tortos dos últimos tempos. E aquele começo já estava me convencendo de que seria uma porcaria, principalmente por aquele disparo acidental da arma. Mas talvez ele seja assim torto, desmedido, por estar entregue a uma única idéia: a honra como salvação para o capitalismo feroz. Dane-se o roteiro (vindo justamente de um roteirista). Isso o faz tão interessante que fica mais fácil relevar os buracos na narrativa. Muitas coisas não fazem sentido, e aqueles que pensarem estar diante de um desastre cinematográfico, se surpreenderão com um final belíssimo e super coerente. O anti-comercialismo extremo é aquele que se insinua tanto como produto industrial que vai comendo todas as entranhas da indústria sem que ela perceba. Uma verdadeira subversão.

quarta-feira, 2 de julho de 2008

Na semana passada, uma senhora na fila do Reserva estava revoltada por ter perdido O Segredo do Grão, de Abdellatif Kechiche. Ela se confundiu e achou que o filme tinha estreado, quando ele passou numa mostra de pré-estréias francesas. Não havia motivo para desespero, já que este terceiro longa do diretor é uma decepção tremenda. No ótimo A Esquiva (revisto e confirmado), há um olhar vigoroso para a juventude suburbana, imigrante, cheia de sotaques quase incompreensíveis. A câmera de Kechiche passeava com desenvoltura, numa das vezes em que a câmera treme por uma tentativa de se incluir em um mundo (como no caso dos filmes de Kawase), não para se filiar a um modismo. No primeiro e irregular La Faute a Voltaire, ele captava as incertezas do amor que nasce de onde menos se espera, e constrói algumas cenas bem bonitas com Elodie Bouchez. Neste O Segredo do Grão, tudo é meio derivativo desses dois primeiros filmes, das brigas aos berros do segundo aos olhares titubeantes do primeiro. Mas tudo é incrivelmente sem sal, diluição das mais canhestras. E perto do final há duas seqüências que correm em paralelo e que são inacreditavelmente constrangedoras. Será que Kechiche vai se tornar diretor de apenas um grande filme?