segunda-feira, 7 de janeiro de 2008

O Beijo Amargo (The Naked Kiss, 1964), de Samuel Fuller * * * * *

Mesmo ficando um pouco abaixo de Casa de Bambu, Cão Branco, Quimono Escarlarte, Paixões que Alucinam, Pick Up on South Street, Eu Matei Jesse James e Baionetas Caladas, o filme nos reserva uma aula impagável de bom cinema:

Constance Powers entra no casarão do noivo, com o vestido para o casamento numa caixa de papelão. Percebe que uma gravação reproduz a canção que as crianças cuidadas por ela no hospital cantavam; anda um pouco para o outro cômodo e seu rosto se petrifica. O que ela viu? O contraplano que demora um pouquinho mostra um close da menina, que logo se dirige saltitante em direção à porta. Em seguida, um novo contraplano ao rosto já mais escandalizado do que petrificado de Constance mostra seu noivo, com cara de criança matreira que aprontou das suas. Novos cortes alternam a fúria de Constance com o pedido desastroso de compreensão do noivo. A cena termina com ele desfalecido, com o véu de noiva cobrindo seu rosto, seguido de alguns planos curtos de partes insólitas da casa, e de um plano último com Constance parada do lado do corpo. Era o caso de sair e pagar um novo ingresso.

Tudo é perfeito. O atraso do contraplano explicativo, a canção que produz uma estranha atmosfera de horror, a feição incriminadora do noivo, a pedra que toma o lugar do rosto de Constance por alguns segundos, sua entrada na casa - e sua percepção da gravação que estava sendo reproduzida, toda a movimentação dos atores no espaço, o close da garotinham - com algo meio desfocado cortando sua cara. É uma verdadeira aula, que me lembrou o começo de Pick Up On South Street, de um erotismo absurdo e indisfarçável.