segunda-feira, 14 de junho de 2004

Qualquer suspeita de esquizofrenia é reiterada quando percebo que Gosto de Cereja é ao mesmo tempo uma obra-prima e um filme frustrante. Obra-prima porque é indiscutivelmente um dos maiores libelos pela vida jamais feitos e uma seqüência - a que o velho taxidermista enumera as coisas que ele nunca mais iria ver caso se suicidasse, quando a estrada toma cores bem mais vivas, em contraste com a aridez da região transitada - seria o bastante para alça-lo como um exemplo de força imagética, que é frequentemente subestimada nos filmes do diretor. Frustrante porque, apesar do final ser o maior postulado das idéias defendidas por Kiarostami (a melhor cena é onde a câmera não está = a vida é mais importante que o cinema; o caminho diz muito mais que a concretização do desejo), é insatisfatório quando se quer conhecer o destino do personagem, tão sutil quanto fantasticamente construído. Por causa dessa frustração, paradoxalmente, Kiarostami fez seu melhor filme. Confuso? Culpem a esquizofrenia.