quinta-feira, 4 de março de 2004

Para Minha Irmã (2001) - Catherine Breillat * *
Só há uma possibilidade de leitura em Para Minha Irmã, e esta é perfeitamente correspondente às obsessões de Breillat, assim como impõe suas limitações. O filme é construído sob o ponto de vista de Anaïs, irmã mais nova Elena, que está na expectativa da perda da virgindade. O cinema de Breillat ganhou notoriedade por retratar de forma sensível, mas não raramente recalcada, o inferno hormonal das adolescentes e as tensões que a descoberta da sexualidade provoca. Em Para Minha Irmã, descobrimos que teremos uma visão subjetiva (a de Anaïs) do primeiro romance de Elena, quando Anaïs sussurra de um lado para outro da piscina, simulando cochichos amorosos com dois pretendentes imaginários. Mas Breillat deixa claro que trata-se de um faz-de-conta da menina. Tenta, apesar de tudo indicar para outro lado, manter certo distanciamento. Ou seja, a visão é parcialmente subjetiva. É esse o principal problema do filme. O que impede a aceitação da meia-hora final, com as reclamações sobre a falta de civilidade dos franceses (eles não jogam restos de comida no lixo, buzinam constantemente nas estradas e seus caminhões ultrapassam em alta velocidade, quando não trafegam pela esquerda), culminando na explosão de violência que, ao mesmo tempo que vem a ser o mote principal do filme, com a realização da vontade de Anaïs, imaginária ou não (o que pouco importa do jeito que é colocado), acaba sendo também a pitada de recalque presente em quase todos os filmes de Breillat. Se ela assumisse que toda a realidade é filtrada por Anaïs, teríamos uma entrega salutar ao personagem. Do jeito que ficou, o que colar, colou. A realidade pode ser dura a ponto de chocar o espectador (ou uma machadada fatal na cabeça não choca mais, mesmo que necessária ao que a diretora quer dizer?). Desde que melhor trabalhada em sua ambigüidade. Seria delírio ou real? O espectador escolhe. Existem filmes que pedem essa dúvida, não é o caso deste. Pior é que Breillat ficou muito perto de fazer um filmaço. A cena das duas irmãs conversando em frente a um espelho está entre as coisas mais belas e humanas filmadas nos últimos anos. Instantes que fazem o interesse de seu cinema.