terça-feira, 2 de março de 2004

Casanova (1976) - Federico Fellini * * *
Casanova é um filme que já nasceu megalomaníaco. Um exagero pelo qual Fellini não seria poupado. Mesmo os admiradores do diretor insistem em atirar pedras no filme. Seria Casanova um fracasso retumbante? Teria Fellini se acometido de uma obsessão por suas próprias características cinematográficas, prejudicando seu senso estético, a ponto de transformar o filme numa sucessão de imagens grandiloqüentes e vazias, desprovidas de amor pelo cinema? Minhas lembranças de quando vi na TV, no início dos 90s, corroborariam essa tese. Um filme arrastado, com muitas imagens de grife, algo perdido em meio a um personagem mais forte do que o próprio Fellini. Na revisão, porém, ficou claro que o projeto nada tem de megalomaníaco. Trata-se de um dos filmes mais tristes do diretor. Casanova é um herói que luta o tempo todo para evitar sua evidente decadência. O decadentismo, tema tão caro a italianos como Visconti e Bolognini, volta aqui em outra amarga faceta. Se Fellini imprime sua marca circense, ao contrário do classissismo dos outros diretores, é porque não teme a abordagem que lhe convém. Não se dobrou a um personagem difícil, inquietante, e que dá muitas chances de excessos rococós. Fellini fez aqui seu filme mais barroco, onde nada é gratuito, e todos os detalhes têm sua função. Quem não gosta do diretor odeia o filme, já quem admira seu onirismo devia (re) ver Casanova sem preconceitos. A direção de fotografia é um assombro. Faz de suas imagens algo muito belo, mas que está a serviço do filme. O filme tem que ser belo. A noção de derrocada pede esse deslumbramento visual e quem lembra de Giuseppe Rotunno (talvez o melhor de todos os diretores de fotografia) por O Leopardo, Dois Destinos e Roma, sabe do que ele é capaz. Não seria exagerado considerar a foto de Casanova como a melhor de qualquer filme de Fellini. Seu trabalho com as sombras é impressionante e, mais uma vez, não chama atenção para si. O barroquismo pede esse requinte de cores, ora vibrantes (quando Casanova ainda está no auge como amante), ora esmaecida (para ilustrar seus dias menos priápicos). É episódico, como quase todo Fellini, e irregular, como (podem atirar pedras) Amarcord. Mas é Cinema, com tudo que a letra maiúscula insinua de majestoso. Com acertos e erros que provam que Fellini não era de se acomodar, mesmo quando se encerra numa caixinha de música.