quinta-feira, 25 de março de 2004

A Outra Face (1997) - John Woo * * * *
Se The Killer era a súmula perfeita da obra de Woo em Hong Kong, A Outra Face, com muitas similaridades com The Killer, o que é óbvio com a troca de identidade entre policial e terrorista, é o equivalente em relação a sua obra nos EUA, ainda que antes desse ele só tenha rodado os irregulares O Alvo e A Últimas Ameaça. Mas há também uma diferenciação notória. A Outra Face, como um comentário sobre o cinema de ação americano, encerra-se num maniqueísmo proposital e catártico. Sean Archer odeia Castor Troy terrorista, mas o odeia ainda mais por ter matado seu filho. Ele não vai se contentar enquanto não acabar com a vida de Troy para fechar a cicatriz, tomando também seu filho, como uma substitução ao filho perdido. O filme esbanja incorreção política, pois o desejo de matar de Travolta/Archer (que de resto parece uma pessoa de caráter impecável, o que acentua ainda mais a incorreção política) em nada difere do de Bronson na famigerada série Desejo de Matar. Woo, em compensação, está milhas a cima de um Michael Winner da vida e sabe que toda a truculência de seu filme é compensada pela mais espetaculosa mise-en-scène do cinema de ação. As quebras de eixo da perseguição de lanchas, o tiroteio na casa de Gina Gherson, o gato-pega-rato da maternidade, tudo colabora para que o espetáculo de violência coreografada que fez a fama de Woo volte com requintes de textura nunca antes vistos. A bala explode fazendo vários pontos laranja luminosos num efeito surpreendente e deflagrador. Woo é, antes de tudo, um esteta. Seus planos não são simples balé de balas, ao contrário, convidam o espectador a algo mais, uma reflexão do que se está vendo, além dos efeitos especiais. O espectador fica como a mulher de Archer, sem saber direito se o que está vendo é o que realmente acontece. Isso geralmente dura segundos, mas em alguns momentos Woo, seja pela câmera lenta, seja pelos movimentos de câmera, retarda esse estranhamento. A cena da queda da lancha é um exemplo disso com seus diversos ângulos em câmera-lenta. E a do jogo de espelhos também, com travellings laterais de fazer Michael Bay morrer de inveja. Só Woo consegue transformar oóbvio em obra de arte. E Nicholas Cage na pele de Castor Troy (o melhor nome de vilão depois de Max Cady) tem o papel da sua vida. Histriônico e sutil ao mesmo tempo.