terça-feira, 16 de março de 2004

Gangues do Gueto (2001) - Abel Ferrara * * *
Ferrara sempre foi melhor quando mais comedido. Como se quando filmasse mais passionalmente, ou sob influência de drogas, seus filmes sucumbissem (ou quase)pelo excesso de estilo, pela falta de sobriedade formal. New Rose Hotel parece ser a exceção em sua carreira. Um filme ousado, experimental, excessivo, e muito bom e plenamente auto-consciente de seus excessos. Não se pode dizer o mesmo de Blackout e Olhos de Serpente, filmes que se perdem em delírios formais que permanecem distantes do espectador. Gangues do Gueto é dos filmes "sóbrios", como The Funeral e Vício Frenético (sim, porque nesse é o personagem que despiroca, não o filme). Mas tudo nele é anti-convencional. Sabemos com quinze minutos de filme que o casal principal (vivido por Lillo Brancatto e Drea de Matteo) é traficante. Percebemos a tensão que envolve a distribuição da droga e, como diz a mulher, alguma besteira pode acontecer. É aí que Ferrara subverte tudo que se poderia esperar de um filme de traficantes. Os sequestradores, liderados por Ice T, estão preocupados com o dinheiro, mas também com a situação das ruas. Querem que o dominicano (é assim que eles chamam o personagem de Lillo Brancatto) pare de distribuir sua droga nociva nas ruas. Querem a limpeza que Giuliani faria a partir do ano seguinte. Não por acaso, a ação se passa no final do mandato do prefeito anterior, em 1995. Se o filme expõe muito bem o clima que rondava as ruas de Nova York, com policiais corruptos dividindo as ruas com os drug dealers, Ferrara mantém-se o tempo todo em chave menor, quase minimalista, privilegiando a casa, a família, a intimidade do casal. É nisso que ele realiza com precisão o que melhor faz em seu cinema, as relações entre as pessoas e como são abaladas pela impossibilidade de se manter imune à violência. The Funeral é um outro belo exemplo disso, mas Vício Frenético também, ainda que o personagem de Harvey Keitel lide mais com ele mesmo e com suas inseguranças, disfarçadas pela truculência. São os momentos dentro da casa, na companhia de sogra, filha e tios e tias que engrandecem um filme que tem tudo para decepcionar os desavisados. Ao esperarem tiroteios e reviravoltas, perderão um filme de rara humanidade.