Duas buxadas de bode e uma maravilha:
Violação de Privacidade pode ser qualquer coisa, menos a alegoria autoral que o título original fazia crer (The Final Cut). O filme perde-se nas atitudes pueris dos personagens, nos planos óbvios que não conseguem criar o menor suspense (penso nos dois planos de Robin Williams percebendo que tem gente em sua casa), na cara de mãe arrependida de Williams, na trama mongolóide, nos flertes sci-fi equivocados (ah...a velha mania de botar madeira e botões rústicos em máquinas de última geração). Até um plano que poderia ser belo, é tomado pelo ridículo (Robin Williams editando, em pé, enquanto as imagens que ele vê são projetadas por toda a tela). A perseguição no cemitério é um belo exemplo de falta de noção de espaço do diretor, Omar Naïm. Esperava muito de mais essa tentativa de reflexão sobre criação e manipulação de uma memória.
Assalto ao 13° DP é um remake desnecessário do filme do Carpenter. Jean-François Richet até tem certo domínio de quadro e tempo, mas tudo o que acrescentou ao original desandou. As explicações freudianas vinculadas ao personagem de Ethan Hawke são muito pobres, e servem apenas para provar o esquematismo de um filme onde tudo é causa e efeito. A fuga dos dois ladrões é uma das besteiras de um roteiro cheio de situações colocadas sem muito pensamento. Tipo: "ah...vamos criar um conflito e mostrar que isso prejudica o grupo acuado"..."ah...vamos dificultar ainda mais para os nossos heróis...vamos fazer com que sobrevivam a explosões e armas poderosíssimas"..."vamos amplificar a clausura". Bobagem esquecível.
E o que dizer de Faces? O que dizer das pessoas que habitam o mundo de Cassavetes? Como não chorar com Seymour Cassel? Como não se apaixonar por Lynn Carlin? Existe muito mais respeito pela vida e pelo que é humano na seqüência da reanimação de Carlin do que na vida inteira de João Paulo 2°. "Cry, honey...that's life...tears are happiness". Há uma capacidade notável de captar olhares, anseios (como na presença de Cassel entre as quatro amigas, ou na chegada do marido em crise à casa da amante Gena Rowlands). A câmera sempre tateando, às vezes bem próxima dos atores, às vezes chegando, aparentemente sem querer, a um plano de incrível beleza plástica. Mas nota-se o quanto o filme é bem pensado, e o talento maior de Cassavetes é esse: colocar-nos bem no cerne dos mais belos dramas humanos, como se estivéssemos ali, o que exige muita preparação e ensaio, além de precisão e sensibilidade no corte. Há, acima de tudo, uma grande melancolia permeando tudo, como uma compreensão de que é muito difícil viver, mas que vale a pena. E que a tristeza existe como forma de vida, que o choro é essencial. (Cassel, no filme: "As pessoas não têm tempo para serem vulneráveis umas às outras"). Vulnerabilidade é o que se encontra em qualquer pessoa nos filmes de Cassavetes. Por isso são tão interessantes esses amigos, burgueses ou não. Afinal, quem quer ter uma fortaleza como amigo? Bem...cinco dias se passaram, e eu ainda estou pasmo, sem saber o que dizer. Só sei que Faces é um dos 10 filmes que mais gosto atualmente.
quarta-feira, 13 de abril de 2005
Postado por Sérgio Alpendre às 15:47
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