segunda-feira, 23 de agosto de 2004

Testemunha de Acusação (1958) – Billy Wilder * * * *
Increditável como Wilder subverte o que deveria ser um filme de tribunal, mas acaba sendo uma ode ao romance da terceira idade. O par romântico central é na verdade o advogado que acaba de sair do coma e sua enfermeira (Charles Laughton e Elsa Lanchester), e passa o filme se maldizendo. Mas no último e genial plano, saem abraçados do tribunal. Tyrone Power, o astro, passa o filme inteiro como corno manso, e depois revela-se como o mais mau-caráter. Dietrich (que não gostou de trabalhar com Wilder) começa como a sacana e termina como a passional injustiçada. Wilder subverteu até o whodonit habitual de Agatha Christie. Criou contra planos que renegam, ao mesmo tempo em que fingem enaltecer, o engenhoso estilo da escritora. Exemplo máximo nas cenas entre os advogados no escritório, todos vulneráveis (principalmente Laughton) à inspeção mental da câmera. Wilder se apega aos detalhes, mas separa-os da caracterização positiva que Agatha Christie usualmente fazia do personagem, para alçá-los como excentricidade pura e simples, sem que isso queira dizer habilidade de raciocínio (como o Laughton brincando com as pílulas). É o jogar xadrez como exercício para melhor jogar xadrez. E o que é aquele plano com a estátua da justiça em obras? Parece ter sido um delicioso acaso. Havia o perigo de tornar desinteressantes as cenas em que Laughton não estivessem, mas isso não aconteceu. A maestria de Wilder (que tinha uma enorme noção de enquadramento e de onde colocar a câmera, ao contrário do que muita gente pensa) consiste também no corte no momento certo. Ele dita o ritmo perfeitamente. E a decupagem alcança o sublime nas cenas do tribunal. Principalmente quando a câmera focaliza a enfermeira, ou quando está atrás do juiz, ou atrás da testemunha da vez. É aí que fica claro do que o filme trata. Poucas vezes um amor que que tem medo de aflorar, apesar das evidências, foi tão bem captado por uma câmera.