Les Yeux Sans Visage (1960) * * * *
Le Sang des Bêtes (1949) * * * *
A descoberta tardia desses dois filmes de Georges Franju foi a melhor coisa do ano até agora (com o novo Scorsese colado em segundo, mas esse eu ainda estou digerindo). Les Yeux é um brilhante trabalho com atmosfera, um tempo cirúrgico para tratar justamente de um cirurgião que rapta jovens e belas garotas para tirar-lhes a pele facial, numa tentativa de reconstruir o rosto de sua filha, desfigurado em um acidente automobilístico. É nada menos que brilhante. Ele guarda cães, para neles fazer experiências, e o momento em que a filha, mascarada, desce ao canil pela primeira vez é um dos maiores momentos de ternura do cinema moderno. Vale ressaltar a especial atenção para os olhares dos atores, principalmente entre o doutor e sua secretária (mulher que teve seu rosto constituído por ele, e que teria sido sua amante). Franju filma secamente, como um Bresson, só que pendendo à climatização excessiva nos trechos mais soturnos, sem abandonar os momentos frios, principlamente nas horas de cirurgia e experiências. Uma obra-prima.
Por falar em cinema moderno, Le Sang des Bêtes é um documento de 22 minutos sobre o funcionamento de dois matadouros em Paris. O cinema moderno deve muito a esse filme. Suas imagens, de uma secura e cientificidade exemplares, impressionam. E o mais rico e belo do filme é que ele não se pretende contrário à matança e ao consumo de carne. Ele apenas registra o processo. A morte brutal dos animais nunca é acompanhada de comentários de qualquer ordem moral, ou mesmo de música incisiva (esta só existe quando busca-se um efeito idílico sobre o resto da cidade). Esse contraste perigoso entre o poético e o cruel é muito bem trabalhado por Franju, no limite do tolerável. Um diretor menos talentoso descambaria para o cinismo ou para o ecológico, fazendo com que a narração (que poderia ser pior nesse caso) se tornasse uma potente arma contrária ao filme. Franju consegue o mais difícil. Foi, antes de tudo, preciso e jornalístico.
quinta-feira, 20 de janeiro de 2005
Postado por Sérgio Alpendre às 18:52
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